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sábado, fevereiro 20, 2010

DXPEDIÇÃO À ILHA DE MAIAÚ, de 4 a 7 de julho de 2009

DXPEDIÇÃO À ILHA DE MAIAÚ, FAROL DE SÃO JOÃO
de 4 a 7 de julho de 2009
PX 8 M – Orlando Perez Filho, op.

Eu tinha decidido que em 2009 comemoraria meus quarenta anos de radioamadorismo fazendo operações em ilhas e faróis. A primeira viagem, incentivado por PY6KW, Marcelo, tinha sido um sucesso e eu operei como PX6T e PX6B, respectivamente das ilhas de Tinharé e Boipeba, ambas IOTA SA-080.

Agora estava disposto a um desafio maior, escolhendo uma ilha de difícil acesso, que estivesse bastante requisitada como IOTA e com um farol, pois pretendia participar do Concurso WLOTA. Após alguma pesquisa aceitei a indicação de PS7AB, Rony, manager dos diplomas Ilhas Brasileiras (DIB) e Faróis Brasileiros (DFB).

A escolhida foi a Ilha de Maiaú (IOTA SA-041, DIB MA-02), uma área remota do litoral nordeste, quase norte, do Brasil, onde se encontra o Farol de São João (WLOTA L-0213, ARLHS BRA-093, DFB MA-01).

A região é uma reserva biológica onde vivem os pássaros guarás, de grande porte e plumagem vermelho vivo.

A Ilha Maiaú pertence ao Município de Cururupu, no Estado do Maranhão, e o farol de São João está nas Coordenadas Latitude 01º16"88 S e Longitude 44º55"18 W. É formado por uma torre cilíndrica de concreto armado com 30 metros de altura, com faixas horizontais brancas e pretas. Possui alcance luminoso de 20 milhas marítimas (aproximadamente 40 quilômetros) e alcance geográfico de 17 milhas marítimas (aproximadamente 34 quilômetros).

O Farol de São João foi inaugurado em 1884 e originalmente era uma torre de ferro, pintada de roxo-terra, de seção quadrangular, com 30 metros de altura, e sua fonte luminosa era de véu incandescente tipo "Barbier" com chama a 4 mechas.

Em 1926, foi substituído o sistema de incandescência do farol pelo sistema automático de acetileno, tipo "Aga".

No dia 10 de junho de 1939 foram iniciadas as obras de modificações da estrutura do Farol de São João. A torre foi modificada para concreto armado, tipo padrão, em seção cilíndrica, com a altura de 30 metros a contar da base, sendo que sua lanterna foi confeccionada nas oficinas de faróis da Diretoria Geral de Navegação da Marinha Brasileira.

No dia 13 se maio de 1940, foram inauguradas, com toda solenidade, o novo Farol e as casas para residências dos faroleiros,
Mais recentemente o conjunto ótico foi substituído e atualmente existe uma moderna lâmpada alimentada por painéis solares e baterias.

Obtido o indicativo especial PX8M e a autorização da Marinha Brasileira para operação no farol, dei início ao planejamento da viagem. Logo percebi que a aventura não seria tão fácil, pois o Marcelo, PY6KW, que deveria novamente ser meu parceiro, por motivo de trabalho não poderia me acompanhar. Eu estava só nessa empreitada.

Eu havia dividido a viagem em quatro trechos, a serem cumpridos em dois dias:
No primeiro dia eu faria os trechos de Brasília até São Luís (1.500 km) por via aérea e de São Luís até Cururupu (cerca de 240 km), onde dormiria, por ônibus e ferry boat. No dia seguinte teria mais duas etapas, de Cururupu até Apicum-açu (85 km) e daí até a Ilha de Maiaú (40 km), onde eu pensava chegar por volta de 17 UTC.

Estava apreensivo porque não tinha conseguido informações precisas sobre como seria o segundo dia de viagem, pois não há serviço regular de transporte nessa região e as informações metereológicas não indicavam bom tempo.

Às 12 UTC do dia 2 de julho cheguei ao Aeroporto Internacional de Brasília para início da aventura na Ilha de Maiaú.

O começo da viagem foi bem tranqüilo e às 17 UTC eu desembarcava em São Luís onde o colega Antony, PR8AL, me aguardava no aeroporto para conduzir-me ao terminal rodoviário de onde saem os ônibus para Cururupu.

No caminho paramos em um supermercado onde comprei os mantimentos para levar ao farol. Minha bagagem, agora, havia crescido bastante e eu já estava com uma mala a mais, para os mantimentos e uma bateria automotiva de 45A/h também comprada em São Luís.

O ônibus para Cururupu partiu às 19 UTC e após 30 minutos chegamos ao terminal do ferry boat para a travessia da Bahia de São Marcos. Depois de alguma espera zarpamos, navegando por pouco mais de uma hora.

Às 21:30 UTC, já no continente, reiniciamos a viagem de ônibus. A estrada, embora pavimentada, tinha trechos bastante deteriorados em razão de fortes chuvas que até dias atrás haviam assolado toda a região.

A chegada em Cururupu foi às 02:00 UTC do dia 3 e, cansado, procurei por uma pousada para dormir.

Daí para frente a viagem era uma incógnita e às 09:00 UTC do dia 3 eu já havia conseguido alugar um carro com motorista para me levar até Apicum-açu. Por sorte o tempo estava bom e o sol brilhando, porque esses 85 km de estrada foram péssimos, com 35 km não pavimentados, de muito barro e pontes muito precárias. Na semana anterior, devido às chuvas, a estrada esteve intransitável, isolando a região.

Levei quase 3 horas para percorrer esses 35 km finais e cheguei a Apicum-Açu às 12:30 UTC. Logo fui procurar um barco que me levasse até Maiaú.

Decididamente eu estava com sorte, porque havia um barco que iria para a ilha de Lençóis e poderia deixar-me em Maiaú. A partida estava prevista para as 15:30 UTC, quando a maré subisse. Eu não sabia, mas não são todos os dias que saem barcos para as ilhas e, às vezes, passam dois ou três dias sem transporte para alguma delas.

Lição aprendida, pois toda a operação estaria perdida se eu não tivesse conseguido esse barco.

O barco era de madeira, com motor diesel, cabina sem nenhum banco, usado tanto para pesca como para transporte, de carga ou pessoas. Éramos 12 passageiros, sendo 4 mulheres acomodadas na cabina junto com a carga e os homens do lado de fora, ao sol, sentados em cima da cabina. E ainda o piloto e seu ajudante, que era encarregado de operar a bomba manual para esgotar a água que entrava no barco.

Depois de 4 horas de viagem chegamos à comunidade de Bate-Vento, na ilha de Maiaú. Fiquei na praia com minha bagagem e o barco seguiu viagem para a ilha dos Lençóis. Com a maré baixando não havia mais como ir para o farol por mar.

Eram quase 20 UTC e eu tinha que resolver o que fazer rapidamente, porque nova maré alta somente às 04:00 UTC do dia seguinte. As opções eram ficar em Bate-Vento até a cheia da maré e, então, seguir de bote até o farol (cerca de 40 minutos de navegação) ou atravessar a ilha a pé, num percurso de quase 6 km.

Resolvi seguir a pé, para tentar algum QSO ainda nessa noite. Contratei dois jovens moradores da comunidade para servirem de guias e levei apenas a mochila com o 706MKIIG, o AT-180, fonte de alimentação, antena G5RVJr e kit de higiene pessoal.

Todo o resto da bagagem, inclusive a bateria automotiva, ficou em Bate-Vento, para que à noite algum dos pescadores a levasse de barco até o farol.

Saindo da pequena vila de pescadores, o caminho seguia em uma trilha entre a vegetação e logo fui alertado para olhar para o chão e evitar encostar em determinado tipo de arbusto, de pequeno porte, cujas folhas quando tocadas provocam intenso ardor na pele.

Logo a paisagem mudou e já não havia mais trilha e sim um grande trecho de mangue. Os pés afundavam na lama pegajosa. Tive que tirar os sapatos, porque ao retirar os pés da lama para um novo passo os sapatos saiam dos pés e ficavam presos no barro.

Eu procurava seguir os passos dos jovens guias, mas mesmo assim, talvez por ser bem mais pesado que eles e sem experiência em caminhar por esse tipo de local, afundei na lama várias vezes até quase a cintura. Por precaução, a mochila com o equipamento era levada por um dos jovens.

A lama do mangue é muito rica em nutrientes, resultado da decomposição de material orgânico e não tem cheiro muito agradável. Daí os nativos retiram caranguejos muito saborosos.

Ultrapassado esse trecho de mangue apareceu um novo desafio: atravessar uma área alagada, com grande quantidade de rãs e, por conseqüência, cobras d’água, suas predadoras. Mas serviu para lavar boa parte da lama das pernas.

Finalmente, já começando a escurecer, chegamos ao farol, onde fui muito bem recebido pelo pessoal da Marinha.

A primeira providência foi tomar um banho para tirar o resto de lama do corpo e logo verificar onde poderia instalar o rádio e antena. Não houve dificuldade, pois a comunicação entre o farol e a Capitania dos Portos, em São Luís, é feita por rádio e duas torres suportavam dipolos.

Na área existem várias construções que serviam de residência aos faroleiros e suas famílias e também uma estação metereológica. Hoje permanecem no local apenas os marinheiros encarregados de zelar pela área e fazer a manutenção do farol, estando apenas uma das casas habitada.

Já escuro, não houve como instalar antenas e decidi que iniciaria a operação usando uma das antenas dipolo da Marinha e o acoplador AT-180.

Às 01:00 UTC do dia 4 fiz o primeiro QSO, com VE6LRB, em 20 metros. Mas a propagação estava péssima e fiz poucos contatos em 20 e 40 metros. Logo fui avisado que o gerador seria desligado e como minha bateria tinha ficado com a bagagem, em Bate-Vento, encerrei os trabalhos e dormi em uma rede armada ao lado da estação.

Eram 05:00 UTC quando fui despertado pelo latido dos cachorros. Eram três pescadores que, aproveitando a alta da maré, chegavam trazendo minha bagagem. Apesar de estar no meio da noite, a lua cheia, na ausência de outra fonte de luz, permitia enxergar quase como dia. Recebi o material e aproveitei para pedir aos pescadores que no retorno de seu trabalho nos trouxessem alguns peixes.

Com os geradores funcionando apenas três horas por dia não era possível armazenar alimentos perecíveis. Gêneros não perecíveis eram obtidos em Apicum-Açu.

Voltei a dormir, mas pouco depois acordei com barulho de chuva. Nessa época do ano chove bastante na região, o que foi bom porque o pessoal do farol utiliza água de chuva para beber, pois a água doce obtida de um poço contém muitos sais minerais e não tem gosto bom. Na minha bagagem eu tinha hipoclorito de sódio para esterilizar a água.

Acordei cedo e com o rádio ligado na bateria fiz muitos QSO em 40 metros, a maioria com colegas brasileiros. Com a propagação fechando encerrei a operação por volta de 11:30 UTC. Após tomar o desjejum e ajudado pelos marinheiros tratei de instalar minha G5RVJr.

O calor era muito forte, mas, felizmente, não havia mosquitos. Aproveitei para conhecer a área, subir no farol e olhar a paisagem. Do lado do oceano via-se a praia de areia fina, muito larga na maré baixa, Para o interior da ilha apenas vegetação, sem nenhuma edificação até onde a vista alcançava.

Retomei as atividades de rádio às 20:30 UTC, ainda funcionando à bateria e alternando entre as bandas de 15 e 20 metros. Às 22:00 UTC já com a energia do gerador, passei para 40 metros e mais tarde também trabalhei em 80 metros.O gerador ficou ligado até à 01:00 UTC do dia 5, quando retornei a operação à bateria até às 04:00 UTC. Bastante cansado e com a propagação piorando, armei a rede e fui dormir.

Comecei as atividades do dia 5 às 11:00 UTC, operando à bateria, nas faixas de 80 e 40 metros. Com a propagação muito ruim, suspendi os trabalhos e fui andar pela praia, num dia ensolarado. Com a bateria esgotada e sem energia, só retomei os contatos às 22:00 UTC, quando o gerador foi ligado. Coloquei a bateria em carga e operei até a 01:00 UTC do dia 6.

Novo dia e logo cedo fomos recolher a água da chuva que caíra à noite. Iniciei a operação às 12:00 UTC e às 14:00 UTC interrompi para acompanhar os militares Gonzaga e Marques, cozinheiros prendados, na preparação de um belo peixe e caranguejos para o almoço. Voltei ao rádio às 22:00 UTC e entre gerador e bateria continuei até as 03:00 UTC do dia 7.

Eu tinha planejado estender a operação na ilha de Maiaú até o dia 8, mas logo pela manhã um dos pescadores veio avisar que a previsão de saída de barco de Maiaú para Apicum-açu seria apenas para o dia 10. Mas informou que no começo da tarde de hoje, dia 7, haveria um barco saindo da Ilha dos Lençóis (também IOTA SA-041) que fica próxima a Maiaú.

Alterei os planos e combinei com ele que aproveitaríamos a subida da maré após o almoço para irmos de canoa até a Ilha dos Lençóis, onde eu tomaria o barco para retorno.

Aproveitei a manhã para fazer mais alguns QSO, permanecendo em rádio até as 16:30 UTC, quando encerrei a operação. Com a maré subindo saímos para Lençóis por volta de 17:30 UTC, eu, o canoeiro e o Sargento Marques, para me fazer companhia e ajudar no que fosse preciso.


Saindo do farol pelo igarapé, que na maré alta permite chegar ao farol de barco e que seca quando a maré baixa
No mar, com a Ilha dos Lençóis em frente

Mas parecia que minha sorte tinha acabado. Quando chegamos à Ilha dos Lençóis o barco para Apicum-Açu já havia partido. Nova embarcação só sairia dois dias depois. Como nessa região escurece cedo, logo tratamos de procurar um lugar para passar a noite, pois devido à maré não era possível retornar ao farol naquele dia.


A ilha dos Lençóis, quase toda formada por dunas de areia, O por do sol na ilha

Na ilha dos Lençóis há uma pequena pousada, mas que só funciona quando há hóspedes, normalmente turistas estrangeiros, que contratam os serviços antecipadamente, via internet. Conseguimos um quarto numa casinha de madeira e palha, de piso de terra batida, muito simples.

O Sargento Marques já conhecia a pequena vila e saímos para comer alguma coisa antes de dormir. Já estava bem escuro, mas na Ilha dos Lençóis existe abastecimento de energia elétrica durante 20 horas por dia, num sistema misto de geração eólica, solar e gerador a diesel.

Depois de comer pensei em aproveitar para operar da Ilha dos Lençóis, que me constava nunca ter sido ativada. Montamos a G5RVJr da melhor maneira possível, mas mesmo assim ficou a menos de 3 metros do solo e com estacionária alta. Como a propagação estava fechada, decidi poupar o rádio e desisti da operação.

Estava desmontando a estação quando o zelador da pousada veio avisar que na manhã do dia seguinte, chegariam três turistas italianos em um pequeno avião e que eu poderia tentar retornar com a aeronave direto para São Luiz. Mas o avião pousaria na ilha de Maiaú e eu teria que sair muito cedo da Ilha dos Lençóis com destino à Bate-Vento, na Ilha de Maiaú. Fui dormir satisfeito com a notícia,

O dia 8 amanheceu chovendo, mas eu tinha que partir cedo para a ilha de Maiaú, pois o avião poderia deixar seus passageiros e retornar a São Luís e eu perderia a oportunidade de voltar com ele. Saímos num barco muito pequeno e quando estávamos no meio do caminho a chuva aumentou muito e o vento ficou forte, fazendo entrar água no barco e quase afundamos.

Felizmente a tormenta foi passageira e acabou tão rapidamente quanto começou, trazendo um belo arco-iris. Mas atrasou a viagem e quando estávamos desembarcando na praia o avião fez uma rasante sobre a vila para avisar que estava chegando e para o pessoal da vila espantar algumas vacas que costumam pastar no local que serve de campo de pouso.

Consegui dois carregadores para levar minha bagagem até o local do pouso, distante cerca de 1.500 metros de Bate-Vento. O caminho era através de vegetação alagada e tínhamos que andar depressa. Foi cansativo, mas logo encontramos o pequeno monomotor já pousado.

Depois de alguma negociação, combinei um preço razoável com o piloto e partimos rumo a São Luís. Apenas uma hora e meia de vôo e estava pronto para a segunda parte da viagem: ativar o farol de Araçagy, WLOTA L-0299, no período de 8 a 11 de julho de 2009 e a esperança de fazer uma operação tão boa quanto a que terminava.

Eu estava cansado, mas muito feliz. A operação havia sido um sucesso e apesar de todas as restrições e contratempos fiz cerca de 700 QSO com 50 países. Havia dado a oportunidade a radioamadores de todo o mundo de trabalharem um farol e uma IOTA que antes haviam sido ativadas apenas uma vez, há vinte anos.

Agradeço à Marinha Brasileira, que por meio do 4º Distrito Naval, em Belém (PA), e da Capitania dos Portos do Maranhão proporcionou a oportunidade dessa aventura, à tripulação do Farol de São João, especialmente aos militares Gonzaga e Marques, companheiros de todas as horas, e ao colega Antony, PR7AL, presidente da LABRE Maranhão, pelo apoio logístico em São Luís.

Tripulação do Farol durante a operação:
SO-HN Roberto Gonzaga Henrique
SO-MR Raimundo de Assunção Queiroz Neto
2º SG-MO Evandro Gutemberg Souza Fragoso
3º SG-CN Elioney Marques da Silva

Um comentário:

Dario Castro Alves disse...

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